É muito fácil reclamar da vizinha gostosa que está usando shortinho, da colega da faculdade que enche a cara de maquiagem e da moça branca de olhos azuis que tem um sorriso simpático, alegando que todas nasceram bonitas ou usam artifícios para chamar atenção dos homens. Sabe o que é difícil?
Ser uma delas.
“Ser bonita é um sonho, mas se você o for, você é uma vagabunda sem valor nem cérebro!” (foto por Faya – Paparazzo. Modelo: Thaís Bianca.)
Sou da época em que as garotas que curtiam rock e videogame eram classificadas como lésbicas e ganhei três títulos consecutivos de “mais feia da sala” no ginásio. Segundo minha mãe, não tinha atenção dos garotos porque eles eram superficiais e as meninas de hoje (ainda na época) eram um bando de putas.
Inclusive, uma vez, chorei de tristeza por não ter os lábios molhados como a menina da capa da revista, achando que nunca seria bonita e que nunca ninguém olharia pra mim – apenas pra essas putas – e que o mundo era injusto. Um belo dia, enchi o saco e resolvi saber como elas conseguem ser tão lindas.
Não fazia sentido na minha cabecinha de adolescente eu nascer feia e elas lindas, assim, magicamente. O interesse foi suficiente pra me levar pr’uma graduação de Moda, mesmo sem o menor jeito pra coisa (exceto na parte artística, era muito boa no desenho, mas isso não é relevante.).
Descobri na graduação que ser bonita dá um trabalho do caralho. Peço perdão a todas as garotas que um dia foram chamadas de vadias ou vagabundas apenas por estarem mais bonitas ou sensuais. Vocês são fodas.
Ser bonita não é simplesmente nascer bonita. Ser bonita começa de manhã cedo, quando a garota acorda e toma o banho com o sabonete perfumado diferenciado. Quando vai pro espelho e, ao contrário do que dizem sobre que se maquiar é encher a cara de pó, redesenham o rosto em um ato puramente artístico para se exibir para a sociedade maluca que te espera lá fora.
Ser bonita é ir ao espelho e usar creme de pentear, ou secar o cabelo e fazer a chapinha de forma que pareça natural, se preocupando com o frizz, com o volume, com o balanço dos fios. Ser bonita é saber a diferença entre um scarpin e um peep toe num modelo de roupa para o trabalho, é saber que a composição de cores e tecidos faz tanta diferença quanto a postura que se tem dentro da roupa.
“Eu podia viver três vidas inteiras e ainda assim não saberia descrever a feminilidade no ato de uma mulher se maquiar” (O que é só delas – http://papodehomem.com.br/o-que-e-so-delas/)
Parece óbvio que julgar alguém que sabe mais que você não é a coisa mais inteligente do mundo, mas isto é frequentemente feito com as tais mulheres bonitas. Mulheres que sabem a diferença entre delineador líquido, em gel ou em caneta enquanto você fica coçando o saco e achando que mulheres bonitas nascem bonitas e são sortudas por isso. Mulheres que são erroneamente representadas no cinema como lindas e maquiadas até nas cenas de dormir, de banho, de insônia, enquanto você deu o azar de não ser assim.
E o que se ganha sendo bonita? Educação. Se ganha ser tratada com respeito. Depois de ter evoluído de mais-feia-do-ginásio para a seleção de mais bonitas da faculdade percebi que era tratada com muito mais carinho e consideração. Quando os caras tinham segundas intenções, reportava-os minhas reais intenções (só amizade ou não), mas só o fato de estar bonita já me rendia ser tratada como um ser humano mais agradável, melhor.
Mas ser bonita em superfície não era suficiente: aprendi etiqueta, formas de falar, reduzi gírias. Passei a evitar prejulgamentos e tratar todos com igual respeito. Voltei a usar palavras esquecidas como “por favor”, “obrigada”, “com licença”, “me desculpe”. Passei a elogiar e fazer críticas construtivas. Ganhei, além de elogios e respeito, oportunidades de trabalho, cargos de confiança e colegas e vizinhos muito mais agradáveis.
A gostosa que usa um shortinho curto e que usa o corpo para se sentir bem consigo mesma também ganha elogios que a faz feliz, mesmo não sendo este o objetivo principal dela. E da mesma forma que há o cara que vai fazer amizade com a menina fofa e bonita apenas pra dar em cima dela e chamá-la de oportunista quando ela disser não, vai ter o cara que vai dar em cima da gostosa e chamá-la de vagabunda quando ela disser não.
Ambos podem tentar forçar a barra com violência psicológica ou física, e ambos estão errados, pois os dois exemplos de mulheres são pessoas, e não produtos compráveis e consumíveis que vieram com “defeitos”. Elas também precisam ser conquistadas, assim como se esforçam pra conquistar. Nenhuma delas merece essa violência gratuita e você não é ninguém pra classificá-las como putas somente porque elas chamam atenção, querendo ou não.
“Você era fofinha, mas estranha. Agora cresceu e ficou linda? Vadia! Safada! Piranha!”
Beleza é conhecimento de etiqueta, moda e arte, de sensualidade. É coisa de quem tem conhecimento e sabe por isto em prática. E não, não é imoral e muito menos fácil.
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