sábado, 2 de fevereiro de 2013

Logo+ apresenta:‘Santa Maria com a boca no monte’, sobre texto inédito de Carlos Nejar

Logo+ apresenta:‘Santa Maria com a boca no monte’, sobre texto inédito de Carlos Nejar:
Rio - Para o marco de uma semana da tragédia em Santa Maria, a Logo+ procurou o imortal gaúcho Carlos Nejar, poeta, pai de Fabrício Carpinejar (que escreveu o poema-símbolo da tragédia, publicado no dia seguinte no Globo), para também escrever sobre o que ocorreu na terra natal. Em menos de 24 horas Nejar compôs "Santa Maria com a boca no monte" (distrito da cidade, Boca do Monte é quase um segundo nome para a localidade). O cineasta e produtor Gustavo Gelmini foi convidado para ir à casa do acadêmico no Rio e filmá-lo lendo o texto e captando o ambiente do velho homem de letras do Sul e, também, a sua récita plena de emoção, aliada ao talento de declamador.
Ao abrigo das repercussões, o filme é uma espécie de glosa paterna, mais reflexiva, intimista, observacional, ao mote poético do filho. Gustavo, que dirigiu o curta "Aldeia Maracanã", com produção da Anistia Internacional e produziu os documentários "Mataram a Irmã de Dorothy" e "Da Maré", optou por uma filmagem em dois planos e uma só sequência, sem cortes, sem inserção de imagens externas, para não haver perda na cadência deste momento único de criação.
Abaixo, o texto do poema
________________________________________________


SANTA MARIA COM

A BOCA NO MONTE – Carlos
Nejar


A morte tem rostos,
rostos,
os rostos de meu povo.

E qual o mais perfeito,

mais sofrido, ou de enegrecidos

olhos, ou de tamanha terra

que não cabe no movimento

da noite . Ou é tamanha noite

que a terra não suporta .

E não cabem na relva

que carregamos com os mortos,

junto ao peito. Porque a dor

nos desampara e não tem pátria,

ou vincos de fronteira. A dor

da mãe e do pai diante do
desastre:
dor que não tem
montanhas.
E o amor envelhece a
morte,
o amor pesa na
sobrancelha
das estrelas. Meu
povo:
doemos juntos ,
doemos
de morrer na
profundeza
de não haver mais fala.

Doemos com a fumaça

crescida, com a fumegante

sombra, com a boate
engolida
de sangue, chama e
fúria.
E a cambaleante,
dura
gaiola da madrugada,

seca de luz , sem
porta.
E a pouca saída na pedra .

E a porta do banheiro

sem saída.Os
celulares
tocando, tocando a
morte.
E sem saída, os
corpos
amontoados como
pedras,
cegas pedras. Inermes
,
mudas pedras.
Queimadas
peles, pedras. E não

futuro nas
cicatrizes
da fumaça, ou das
ruínas.
Nem qualquer nome

nesta dor que o pampa
grita
em Santa Maria
com
a boca no
monte,
Santa Maria
com
a pedra na
boca,
Santa Maria da
Nuvem
que entra no
tempo,
por dentro.Meu povo:

doemos juntos neste

torvo, pétreo,
branco,
definitivo
fogo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares

Seguidores